Responsabilidade de mitigação é compartilhada no âmbito empresarial de forma que setores atuem em sinergia
Aos domingos, costumávamos almoçar com meu pai, uma vez que as atividades desempenhadas por ele requisitavam viagens constantes, não possuindo residência ou local fixo durante a semana. Naqueles momentos, mesmo que extremamente breves, buscávamos aproveitar ao máximo a presença paterna, até pela profunda admiração que ostentamos por nossos pais.
Foram diversas as oportunidades em que toque do celular de meu pai se destacava frente às risadas do almoço de final de semana, tendo como consequência interrupções oriundas das ligações atendidas e mensagens recebidas relacionadas a problemas operacionais do final de semana.
A experiência relatada demonstra como as relações sociais vêm sofrendo profundas alterações no último século, de forma que os impactos podem ser observados nas interações existentes entre indivíduos e coletividade, especialmente no que tange ao processo de comunicação e os instrumentos formais comunicativos.
Os avanços das plataformas de mensagens atingiram o ápice da instantaneidade, permitindo uma conexão remota e imediata entre locutor e interlocutor, garantindo, ainda, a efetiva transmissão e a confirmação de leitura / recebimento da informação pretendida.
Consequentemente, as relações provenientes do contrato de trabalho não estão imunes aos sintomas das tecnologias disruptivas, havendo mutação na concepção de formação, manutenção e término do contrato de trabalho, a forma e a localidade em que o trabalho contratado será executado, e, no que nos interessa, na comunicação entre liderança versus liderada frente às novas ferramentas de mensagens.
O Whatsapp, segundo a consultoria de mobile analytics App Annie[1], no ano de 2018 foi o aplicativo que registrou o maior número de usuários no Brasil e no mundo. Numa rede dessa magnitude e com esse alcance, tomou-se como prática a transmissão de mensagens entre familiares, amigos, contatos profissionais e, principalmente, entre colaboradores de uma mesma empresa.
Entende-se aqui que os benefícios introduzidos por estes instrumentos são imensuráveis, de forma que os custos relacionados à comunicação entre empregador e empregado são mitigados consideravelmente. Ocorre que tais economias decorrentes da utilização única e inequívoca do Whatsapp e outras ferramentas de comunicação são ofuscadas pelos riscos na utilização ingênua de um aplicativo como este.
Diga-se isso porque a veiculação de mensagens relacionadas a temas corporativos, com obrigatoriedade de resposta, fora do horário de trabalho, equiparam-se aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio das atividades laborais, ensejando o pagamento das horas suplementares, conforme preconiza o artigo 6º da Consolidação das Leis de Trabalho.
Além da veiculação da mensagem fora do horário de trabalho, existem outros requisitos necessários para configurar o pagamento das horas suplementares como obrigatoriedade na resposta, continuidade no envio de mensagens, necessidade da transmissão da informação, variando, principalmente, a depender do caso sub judice.
Os passivos podem, ainda, permear sobre pedidos relacionados a danos morais por violação à imagem do empregado, dano existencial por desrespeito ao direito à desconexão, além da anulação de atos contratuais praticados por intermédio da ferramenta (como uma demissão sem justa causa, por exemplo).
Diante dos riscos e dos benefícios existentes, cabe a gestão o uso da ferramenta com diligência, além da criatividade jurídica como insumos para mitigar e/ou extinguir eventuais passivos e responsabilidades decorrentes da atividade empresarial.
A prática nos mostra que uma cultura corporativa bem fundamentada em regras de gestão de pessoas focadas na conscientização acerca da necessidade de horas extras, priorização das demandas empresariais a partir das necessidades do negócio, senso de urgência das informações veiculadas e cobradas por ferramentas de comunicação, respeito aos turnos de trabalho, seus respectivos descansos legais e, por fim, que preza pelo cumprimento da legislação trabalhista são os elementos necessários para garantir o uso da ferramenta pelos gestores sem expor a atividade empresarial a riscos desnecessários.
A axiologia empresarial alinhada com estruturas de compliance serão, sem dúvidas, fatores determinantes no sucesso do plano de ação para mitigar os riscos elencados e viabilizar um ambiente corporativo frutífero.
Nesse mesmo sentido, a existência de documentação formal direcionada à liderança e aos empregados alertando sobre os riscos da má utilização desse instrumento, treinamentos esporádicos orientativos, sistema de gestão de consequência por transgressão das regras e unicidade na cobrança pelo cumprimento do regulamento empresarial também se mostram como formas de atenuação do passivo.
Um bom exemplo prático das teorias expostas anteriormente é a experiência da Tigre, empresa do ramo de construção civil com sede em Santa Catarina. No ano de 2018, a companhia trocou os 1.100 telefones fixos por celulares – indo desde o jovem aprendiz ao diretor[2].
Além da mudança no instrumento de trabalho, a empresa focou na mudança cultural do time, realizando treinamentos com todos os empregados e lideranças para expor as orientações corporativas relacionadas ao comportamento frente tais plataformas, mantendo, por fim, procedimentos de fiscalização e cobrança das novas regras.
Dessa forma, percebe-se que a responsabilidade pela mitigação desses passivos é compartilhada no âmbito empresarial de forma que o Jurídico, Recursos Humanos e Tecnologia da Informação necessitam atuar com sinergias, entendendo as necessidades dos clientes (áreas em que os maiores riscos são observados) e efetividade das soluções apresentadas (satisfação plena das necessidades levantadas), garantindo, por fim, a integridade dos processos estruturados